The New York Times: Spice Girls 25 anos depois: Como o ‘girl power’ fabricado se tornou real
Ano: 2022
Em uma cena do filme “Spice World” – O Mundo das Spice Girls” (1997), as Spice Girls estão ensaiando para o show que coroa o filme, no Royal Albert Hall. Usando os figurinos que as tornaram conhecidas, elas fazem a coreografia de um de seus sucessos, “Say You’ll Be There”, brincando e provocando umas às outras enquanto cantam e dançam a canção, influenciada pelo R&B.
“Foi absolutamente perfeito”, o diretor de música declara quando elas terminam. “O que não quer dizer que tenha sido minimamente bom”. As integrantes do conjunto meio que concordam e ao mesmo tempo meio que nem ligam.
É um momento passageiro de autodepreciarão brincalhona, no filme, mas que encapsula a maneira pela qual o grupo pop é percebido desde que abriu caminho até o topo do mercado de música, sem nunca parar de dançar, na metade da década de 1990. Para a audiência, em sua maioria formada por mulheres jovens, que se sentia atraída pela mensagem de empoderamento pessoal, individualismo e amizade que o grupo difundia, as Spice Girls eram absolutamente perfeitas. Mas para os críticos e comentaristas que as descartavam como “desastres”, e como peruas falsas, “fabricadas” e “estridentes”, elas nada tinham de bom.
Passados 25 anos do lançamento do filme, e depois que algumas das fãs mais fervorosas da banda cresceram e se tornaram estrelas pop por direito próprio, o papel das Spice Girls na história da música está sendo reescrito.
É bom ressaltar que o tipo de crítica feito às Spice Girls –o de que elas eram uma confecção pop superficial, fabricada e descartável– não foi dirigido apenas a elas. Muitos grupos pop, como os Beatles, os Monkees e o ABBA, inicialmente foram recebidos com desdém semelhante. Mas desde o começo de sua ascensão ao superestrelato, o fato de que as cinco integrantes do grupo —Victoria Adams (hoje Beckham), ou Posh Spice; Melanie Brown, ou Scary Spice; Emma Bunton, ou Baby Spice; Melanie Chisholm, ou Sporty Spice; e Geri Halliwell (hoje Horner), ou Ginger Spice– eram mulheres jovens, e muito desbocadas, parece ter despertado uma dose adicional de ceticismo.
Talvez nada ilustre o enigma das Spice Girls de forma mais clara do que a recepção a “Spice World – O Mundo das Spice Girls”, um falso documentário cômico que faturou mais de US$ 70 milhões (R$ 348 mi) nas bilheterias em todo o planeta mas recebeu críticas memoravelmente negativas.
Escrevendo para o The Washington Post, Desson Howe afirmou que o trabalho era “tão horroroso quanto um filme de autopromoção desavergonhada feito para agradar os fãs poderia ousar ser”. O crítico Jay Boyar, do jornal The Orlando Sentinel, descreveu o filme como parecido com “ser pisoteado até a morte por uma manada de Barbies selvagens”. Roger Ebert o comparou muito desfavoravelmente ao filme que serviu de inspiração ao projeto, “A Hard’s Day Night”, e escreveu que “a imensa diferença, claro, é que os Beatles eram talentosos, enquanto as Spice Girls poderiam ser substituídas por qualquer mulher com menos de 30 anos que alguém encontrasse na fila do Dunkin’ Donuts”.
O que se tornou claro nas décadas transcorridas desde o lançamento do filme é que as cinco mulheres em questão na verdade não podiam ser duplicadas. Embora grupos formados apenas por mulheres —das Supremes ao Destiny’s Child– sejam há muito tempo uma das partes mais celebradas da música pop, as Spice Girls ofereciam uma combinação específica de expressão pessoal e ambição escancarada que inspirou toda uma geração de artistas. Cantores contemporâneos como Sam Smith, Little Mix e Haim não se cansam de elogiar as Spice Girls.
“Eu me lembro de ouvir ‘Wannabe’ no rádio e de imediatamente me apaixonar pela música”, afirmou, em um email recente, a cantora Rita Ora, que dublou “Wannabe” quando participou do programa “Lip Sync Battle” em 2018. “Ver mulheres que incentivavam as mulheres a fazer o mesmo sucesso que os rapazes, ou até mais, me inspirou demais quando eu era criança”.
“Elas provavelmente me inspiraram a pegar uma escova de cabelo e cantar nela como se fosse um microfone, quando eu tinha cinco anos de idade”, disse sobre o grupo a estrela pop britânica Charli XCX, que remixou “Wannabe” para seu single de 2019, “Spicy”.
Adele, cantora premiada 15 vezes com o Grammy, também é fã declarada das Spice Girls. Quando o grupo anunciou que faria uma turnê de reunião em 2019, ela postou no Instagram uma foto que a mostrava quando criança, e a parede por trás dela coberta de pôsteres e fotos das Spice Girls.
E, uma entrevista no talk show de James Corden, no segmento “Carpool Karaoke”, Adele declarou entusiasticamente o seu amor pela banda. Falando de sua admiração ao incrédulo Corden, a cantora insistiu em que era genuína. “O momento em que elas surgiram foi um grande momento em minha vida –o momento do ‘girl power’ e daquelas cinco garotas comuns que mesmo assim se deram tão bem”.
Em seu pico, as Spice Girls foram uma sensação mundial, e até hoje são o grupo feminino de maior sucesso em todos os tempos. O primeiro single do grupo, “Wannabe”, lançado em 1996, chegou ao primeiro lugar das paradas de sucesso em 37 países, e seu álbum de estreia. “Spice”, continua a ser um dos discos mais vendidos por qualquer grupo feminino. E até mesmo as integrantes da banda continuam a se espantar com o quanto sua breve passagem pelo pináculo da música pop afetou toda uma geração de fãs e artistas.
“Na época, na década de 1990, nós provavelmente estávamos ocupadas demais, éramos jovens demais e estávamos exaustas demais para compreender inteiramente o que estava acontecendo”, disse Chisholm em uma entrevista recente ao The New York Times. Mas, ela acrescentou, “foi realmente um choque, se bem que um choque agradável, compreender que realmente fizemos diferença na vida de tantas pessoas. Foi uma grande alegria para nós poder fazer isso”.
Das muitas críticas dirigidas às Spice Girls, talvez a mais forte seja a de que elas não eram “verdadeiros músicos”. Essa é uma crítica usada com frequência para menosprezar grupos pop. Nem mesmo os Beatles foram poupados: quando a banda começou a fazer sucesso nos Estados Unidos, em 1964, eles foram descritos como “o grupo dos sonhos de um agente de imprensa”, como “horrendamente não musicais”, e como “uma gigantesca impostura”.
Mas essa linha de crítica tinha peso especial no Reino Unido do começo da década de 1990, onde bandas de rock lideradas por rapazes e baseadas no som de guitarras, como o Oasis e o Blur, que pregavam um evangelho de autenticidade, dominavam o cenário musical.<
Portanto, vamos tirar um problema do caminho, antes de qualquer coisa: sim, as Spice Girls foram um grupo fabricado. Em 1994, Bob e Chris Herbert, uma dupla de empresários musicais, pai e filho, radicada em Surrey, na Inglaterra, desenvolveu a ideia de uma versão feminina do Take That, uma boy band britânica de grande sucesso. A ideia dos Herbert era injetar mais feminilidade na “cultura de rapazes” que dominava o Reino Unido da década de 1990. “Foi certamente o momento de gênio em seu trabalho”, escreveu o crítico de música David Sinclair no livro “Wannabe: How the Spice Girls Reinvented Pop Fame”.
Os Herbert publicaram um anúncio no jornal, solicitando: “jovens dos 18 aos 23 anos, capazes de cantar/dançar, antenadas, expansivas, ambiciosas e dedicadas”. Depois de semanas de audições, eles selecionaram cinco mulheres —Brown, Chisholm, Beckham, Horner e Michelle Stephenson (substituída por Bunton alguns meses mais tarde)– e as instalaram em uma casa na cidade inglesa de Maidenhead, pagando por aulas de canto e dança, organizando sessões de composição, treinando-as sobre como se relacionar com a mídia e preparando gravações demo.
Ao começarem a trabalhar juntas, escreveu Sinclair, as Spice Girls desenvolveram uma visão ambiciosa para seu grupo, e essa visão contrastava com a dos Herbert. Os empresários queriam que elas usassem o formato tradicional de uma cantora principal e as demais como vocalistas de apoio, mas as integrantes preferiam dividir os versos igualmente entre elas, sem criar uma vocalista líder. Os Herbert imaginavam cinco meninas vestidas de um modo uniforme; mas as integrantes queriam se manter distintas.
“Nós não nos vestíamos de modo parecido na vida cotidiana e, quando tentamos fazer isso em um show, não funcionou”, disse Chisholm. “Já desde o começo, de um modo bastante natural, queríamos ser indivíduos, e os empresários não acreditavam nessa ideia”.
Como os Monkees antes delas –mais uma banda fabricada que terminou por tomar o controle de sua carreira—, as Spice Girls decidiram que não trabalhariam mais com seus empresários. E com isso, as cinco embarcaram no Fiat Uno de Horner e se foram, levando com elas suas gravações máster.
Aquela audaciosa decisão “foi uma indicação de o quanto elas eram determinadas”, escreveu Sinclair. Foi como se os Herbert tivessem “inventado o monstro de Frankestein”, ele afirmou. “E depois terminassem completamente chocados diante do que sua criação fez com eles”.
“Foi tudo uma aventura”, disse Chisholm. “Àquela altura, não tínhamos muito que perder, na verdade, e por isso decidimos arriscar. E depois disso a banda se tornou uma coisa muito orgânica. Sentíamos que ninguém seria capaz de nos parar”.
As Spice Girls já estavam atraindo bastante interesse no setor –graças, em parte, a um show de demonstração que fizeram– e por isso puderam escolher seus novos empresários. Optaram por Simon Fuller, que na época era empresário da lendária cantora escocesa Annie Lennox. Em março de 1995, durante uma reunião no escritório dele, elas cantaram “Wannabe”.
“Foi bem incomum”, recordou Fuller recentemente. “Ver aquelas cinco jovens chegar ao escritório esbanjando energia e confiança, e dizendo que ‘você precisa ser nosso empresário, e só vamos sair daqui quando você concordar’. Era uma energia muito contagiante”. Da perspectiva das integrantes, “tudo se encaixou”, disse Chisholm. “Quando conversamos com ele, percebemos que entendia nossas ideias”.
Em lugar de transformar as integrantes em clones umas das outras, como os Herbert queriam, Fuller lhes disse que seu foco deveria ser aquilo que elas realmente eram, e que elas simplesmente deveriam reforçar um pouquinho seus traços dominantes. “Se você gosta de roupas cor de rosa e fofinhas, e acha que sua mãe é sua melhor amiga, então use rosa o tempo todo, roupas fofas o tempo todo. Se você é uma garota do norte que gosta de comprar briga e despreza frescuras, e gosta de ser dominadora e ruidosa, então seja isso”, disse Fuller. Essa ideia, ele revelou em um documentário da BBC em 2014, foi inspirada por Lennox, que, quando conheceu as Spice Girls, as encorajou a “exagerar” suas personalidades. E a abordagem funcionou perfeitamente para o grupo.
A mensagem de “girl power” da banda, disse Chisholm, também deu foco às Spice Girls. “No começo, queríamos fazer música e nos divertir, viajar pelo mundo e fazer tudo de divertido. Mas a mensagem que transmitíamos nos deu mais motivação. Estávamos nos expressando como mulheres jovens, na metade da década de 1990. Estávamos alimentando aquela chama”.
“Wannabe” saiu no Reino Unido em 8 de julho de 1996 e, pelo final daquele ano, tinha chegado ao primeiro lugar das paradas em 20 países. “Spice”, lançado em novembro de 1996, também chegou ao primeiro lugar, e entrou na disputa do prestigioso Mercury Prize, conferido ao melhor álbum britânico ou irlandês do ano. “Tivemos toda aquela preparação, toda aquela espera, toda aquela frustração”, disse Chisholm. “E aí ‘Wannabe’ foi lançado, e pronto – dois anos explosivos”.
Ainda que a base primária de fãs das Spice Girls fosse formada por mulheres jovens, pouca gente escapava imune aos seus encantos. Em 1997, quando estavam na África do Sul para um show de caridade, as integrantes da banda foram apresentadas ao príncipe Charles e ao presidente sul-africano Nelson Mandela. Posando para fotos com as integrantes diante do palácio presidencial em Pretória, Mandela disse a jornalistas que “elas são minhas heroínas”. (E Horner não demorou a retrucar que a admiração era mútua.)
A expressão pessoal extravagante do grupo, acoplada à sua mensagem clara de empoderamento, ecoava nas meninas, que se viam refletidas nas diversas personalidades das integrantes da banda, o que conduziu a uma geração de fãs que se identificavam com Sporty, Scary ou Posh Spice.
“É essa a beleza das Spice Girls, de certa forma”, disse Ora. “Cada uma delas tinha voz própria e algo diferente a oferecer”. (Os apelidos, aliás, não foram cunhados pelo grupo, mas aplicados a elas por um jornalista do programa britânico de música Top of the Pops. E as meninas não hesitaram: adotaram os nomes.)
O lado teatral do grupo, e seu senso de kitsch e de sátira, também despertou o interesse de muita gente na comunidade LGBTQ, o que inicialmente apanhou a banda de surpresa, disse Chisholm. “Em nossas cabeças, a ideia era de que tínhamos de fazer aquilo pelas meninas! Mas não demoramos a compreender que uma grande parte daquela comunidade também nos apoiava”, ela recordou. “Acho que era porque as pessoas às vezes se sentem solitárias quando estão em um ambiente no qual não podem ser elas mesmas integralmente, e as Spice Girls lhes deram algo de que fazer parte”. A banda desde então se tornou uma inspiração frequente para drag queens, e diversas das antigas integrantes das Spice Girls apareceram como juradas no programa “RuPaul’s Drag Race”.
Mas havia uma categoria de pessoas que resistia a elas intransigentemente: a imprensa musical. “Acho que elas foram vítimas de seu sucesso, no sentido de que, quanto mais as pessoas estão de olho em você, mais elas serão críticas”, disse Joe Stone, editor do jornal The Guardian, que escreveu sobre o grupo.
Os guardiões tradicionais do bom gosto muitas vezes expressavam desdém pela música das Spice Girls: um crítico relativamente caridoso a caracterizou como emblemática do “coração leve do pop, um lugar feliz ocupado não por música de bom gosto mas por música de gosto bom –ao menos para uma porção substancial do planeta”. Também havia quem descartasse as Spice Girls como criaturas fabricadas por Fuller, o que lhe valeu o apelido de “Svengali Spice”.
Boa parte da imprensa, especialmente os jornais sensacionalistas, gostava de dissecar não só o trabalho da banda mas a aparência das integrantes e aquilo que elas pareciam representar. “Os ataques eram generalizados: elas não sabiam cantar. Elas não sabiam compor. Elas não eram bonitas o bastante. O feminismo delas era oco”, disse Stone.
Quando Beckham foi a um programa de entrevistas britânico oito semanas depois de dar à luz, o apresentador Chris Evans a pesou no palco para determinar se ela tinha voltado ao peso anterior à gravidez. Ele sujeitou Horner ao mesmo tratamento quando esta apareceu em seu programa. As duas mais tarde se pronunciaram sobre as dificuldades que enfrentaram quanto à sua imagem de corpo, e sobre distúrbios alimentares.
“Aqui no Reino Unido, existe uma cultura que gosta de arrastar as pessoas para baixo. Celebramos o sucesso, até certo ponto, mas então chega a hora de atacar –como se estivessem nos dizendo ‘não tente ser mais do que você é’”, disse Chisholm. “Mas sempre sentimos que os números não mentem, e estávamos quebrando recordes”.
Outro alvo frequente de críticas era a mensagem de “girl power” do grupo, promovida não só em sua música mas também por meio de seus muitos contratos de marketing, com marcas como Pepsi e os pirulitos Chupa Chups. Ativistas expressaram preocupações quanto à possibilidade de que a banda estivesse explorando o feminismo para fins comerciais. Muitos comentaristas “estavam bastante conscientes de como o feminismo e o sentimento positivo com relação às mulheres eram manipulados e transformados em armas, especialmente pela mídia”, disse Andy Zeisler, um dos fundadores de Bitch, uma revista feminina de cultura pop, em 1996.
Em uma época que viu o movimento musical punk das “riot grrrls” e o surgimento da Lilith Fair, um evento feminista –duas coisas que usavam a música como plataforma para advogar mudanças políticas e sociais especificamente feministas—, as Spice Girls talvez parecessem representar um passo para trás”, disse Zeisler.
Mas a ideia de que a mensagem delas era inerentemente oca, por ser transmitida comercialmente, agora parece reducionista. “Creio que seja possível dizer que, por um lado, as Spice Girls e o ‘girl power’ eram uma técnica de marketing muito forçada, e isso é verdade”, afirmou Zeisler. “Mas não significa que a causa não fosse real para as integrantes da banda ou para sua audiência. Cresci em uma época em que o termo feminismo era visto como irrecuperavelmente negativo. Ninguém queria ser associado a ele. Assim, aquela percepção de termos um grupo de mulheres falando de feminismo de maneira diferente, tornando a causa acessível –isso foi realmente importante”.
A ideia de um filme das Spice Girls foi proposta inicialmente por Fuller e pela banda durante uma viagem de publicidade aos Estados Unidos. O filme seria “uma paródia de nós mesmas”, disse Horner em uma entrevista coletiva no Festival de Cinema de Cannes. “Nós basicamente queremos zombar de nós mesmas”.
Elas rodaram o filme na metade de 1997, enquanto estavam compondo e gravando seu segundo álbum, “Spiceworld”. O grupo era tão atraente naquele momento que muitos atores e músicos renomados aceitaram-na hora o convite para participar. A lista de participações do filme é um verdadeiro quem é quem da cultura pop britânica e inclui Roger Moore, Stephen Fry, Hugh Laurie, Elton John e Elvis Costello (além do americano Meat Loaf).
Richard Grant, que interpretou o empresário da banda em “Spice World – O Mundo das Spice Girls”, explicou sua decisão de aceitar o convite: “Minha filha Olivia tinha sete anos, era e continua a ser uma fã imensa das Spice Girls, e me implorou para aceitar o papel, e portanto a decisão foi fácil”, ele disse.
Alan Cumming, cujo personagem passa o filme inteiro tentando gravar um documentário de bastidores sobre a banda, foi atraído da mesma maneira. “Meu agente me ligou e começou perguntando se eu conhecia as Spice Girls. Eu respondi que estava vivo, ora”, disse o ator. “Fiquei muito interessado. Achei que parecia muito divertido”.
Mas quando o filme foi lançado, terminou por seguir o mesmo caminho da música das Spice Girls: sucesso comercial, por um lado, e desdém da crítica, por outro.
“Metade dos críticos, especialmente os mais cabeça, já tinha decidido sua opinião antes de assistir ao filme”, disse Naoko Mori, que interpretou Nicola, uma amiga das integrantes da banda.
Por anos, disse Chisholm, ela não conseguia assistir ao filme. Mas quando sua filha, que agora tem 13 anos, pediu para assisti-lo em seu quinto aniversário, elas colocaram o filme e se divertiram demais. “Adorei, achei hilário”, ela disse. “Nós zombamos o tempo todo, de nós mesmas e uns dos outros”.
O filme terminou por ser um dos últimos atos do grupo como quinteto. Quando “Spice World – O Mundo das Spice Girls” estreou, em 15 de dezembro de 1997, as integrantes da banda e Fuller já tinham desfeito sua parceria. Poucos meses depois, Horner saiu do grupo, abruptamente.
As demais integrantes continuaram a se apresentar como quarteto, o que inclui uma turnê mundial em 1998, e lançaram um terceiro disco, “Forever”, em 2000. Apareceram juntas, em diferentes configurações, em diversos shows de reunião, o que inclui duas turnês, nas últimas duas décadas. Mas a magia de seu período de ascensão tinha se dissipado.
Em 2012, os organizadores da Olimpíada de Londres organizaram cerimônias de abertura e encerramento que celebravam o melhor da cultura britânica. Houve odes a James Bond, à rainha e a Mary Poppins, mas talvez nenhum dos participantes atraiu mais aplausos, e lágrimas, dos espectadores, do que as cinco Spice Girls, reunidas no topo de uma frota de táxis pretos londrino e cantando seus maiores sucessos, acompanhadas ruidosamente por todo o estádio.
Quase três décadas depois de seu apogeu, os críticos começaram a reconsiderar as maneiras pelas quais as Spice Girls alteraram o panorama da música pop, no Reino Unido e mais além.
Em 2019, o site Pitchfork revisitou “Spice” como parte de uma série de reavaliações de álbuns que a publicação online tinha desconsiderado no passado. Ainda que o disco tenha recebido nota 6,8, em uma escala de 0 a 10, a revisão afirmava que “o disco é um produto pop meticulosamente produzido, e carregado de sucessos garantidos no rádio”, concluindo que “‘Spice’ continua a ser uma realização audaciosa”.
Quando a “Spice World – O Mundo das Spice Girls”, o filme agora é defendido por muita gente como um clássico cult, com um humor exagerado e autodepreciativo que sempre diverte os espectadores que consigam uma cópia em DVD. (O filme não está disponível em streaming no momento.) “Acho que é muito divertido, e fico feliz por ter trabalhado nele”, disse Cumming. “Sempre que me perguntam qual é meu favorito entre os filmes que fiz, respondo ‘Spice World’”.
Talvez a coisa mais notável que as Spice Girls conseguiram, porém, foi o empoderamento que conferiram a toda uma geração de fãs. Trata-se de ouvinte que eram crianças quando as conheceram, e responderam positivamente à banda e àquilo que ela representava –cinco mulheres que se mantiveram fiéis ao que desejavam, que continuaram a acreditar em sua forma de conseguir seus objetivos, e que se divertiram demais ‘ao longo do caminho.
Em uma indústria repleta de histórias sobre artistas –especialmente jovens artistas mulheres– manipulados ou explorados, as Spice Girls hoje podem ser recordadas como um raro exemplo de banda feminina que teve papel importante em orientar o próprio sucesso. “Muitas vezes, são os empresários que detêm todas as cartas, ficam com todo o dinheiro, decidem o que acontece, e o artista termina o processo prejudicado, se não completamente destituído”, escreveu Sinclair. As Spice Girls, ele aponta, “na verdade sempre mantiveram controle sobre tudo, desde o primeiro dia”.
Chisholm e a banda aceitam com orgulho seu papel como exemplos, tanto para as mulheres quanto para a comunidade LGBTQ. “Ter a oportunidade de dar força às pessoas para que sejam como são é algo que encaro com grande humildade. Todos deveriam ter esse direito”, disse Chisholm. “Talvez sejamos desajustados, talvez sejamos esquisitos –cada pessoa é diferente. Mas nós nos unimos, e nossa união se tornou nossa força”.
Quando as Spice Girls (exceto Beckham) se reuniram para uma turnê em 2019, Adele –a fã cujo quarto de infância tinha paredes recobertas de pôsteres das Spice Girls– as visitou no dia do show de encerramento, no estádio de Wembley.
“Fomos ao bar para nos encontrarmos com nossos amigos e famílias, depois do show”, recordou Chisholm. “Adele tinha preparado todo mundo e eles começaram a cantar ‘Wannabe’ logo que entramos. E ela liderando o coral!”. Foi um momento forte, de fechamento de um círculo, para a banda, ela disse.
“Existe muito talento no mundo, e se as Spice Girls tiveram qualquer participação em inspirar e empoderar esses artistas brilhantes, isso é a melhor coisa”, disse Chisholm, que agora é cantora solo, acaba de lançar um álbum que leva seu nome, e lançará um livro de memórias este ano.
Para Ora, a mensagem de “girl power” da banda sempre foi sobre “nos erguermos para defender as mulheres que nos cercam, porque em última análise o que importa é cuidarmos umas das outras”, ela disse. “E quem melhor que as Spice Girls para nos ensinar essa lição?”